terça-feira, 20 de março de 2012

O BUDA DE NARIZ PRETO




Uma monja que buscava a iluminação fez uma estátua de Buda em madeira e cobriu-a com folha de ouro. A estátua era muito bonita. Para onde quer que fosse, levava consigo o Buda dourado.
Passaram anos e, ainda carregando o seu Buda, a monja foi viver num pequeno templo no campo, onde havia muitas estátuas de Budas, cada um com o seu próprio santuário.
A monja queimava incenso para o seu Buda dourado todos os dias.
Mas, não lhe agradando a ideia de o seu perfume ser levado para as outras estátuas, inventou um funil através do qual a fumaça ascendia apenas até à sua estátua. Então o que aconteceu? Tinha que acontecer.
Isso escureceu o nariz do Buda dourado, que se tornou excepcionalmente feia.


 
Um dos maiores obstáculos que todos aqueles que estão trilhando o caminho são obrigados a encarar é fazer uma clara distinção entre o amor e o apego.
Eles parecem semelhantes, mas não são.
O apego esconde a realidade que é o ódio com uma aparência de amor. Ele mata o amor. Nada pode ser mais venenoso do que o apego, do que a possessividade.
Isso tem acontecido a muitos e provavelmente está acontecendo a você – porque a mente confunde amor com apego.
E aqueles que olham tudo pela aparência sempre são as vítimas.
Procure entender: possessividade, apego, é falso amor. O ódio é melhor porque, pelo menos, é verdadeiro, é um fato. O ódio pode tornar-se amor um dia, mas a possessividade nunca se torna amor. Você precisa simplesmente abandoná-los para crescer no amor.
Amar significa estar pronto para mergulhar no outro. Não tem nenhum fim, é uma queda eterna dentro do outro.
Amar significa tornar o outro tão importante que você deixa de existir - é render-se incondicionalmente.
Se houver qualquer condição, então você é o importante na relação, não o outro; você é o centro, não o outro.
E, se você é o centro, então o outro é apenas um meio.
Você utiliza o outro, explora, gratifica-se por meio do outro – mas você é a meta.
E o amor diz: faça do outro o fim, dissolva-se, mergulhe.
Todos os seus poemas, todas as suas canções sobre o amor são apenas substitutos para que você possa cantar sem penetrá-lo, para que você possa sentir que está amando sem amar. O amor é uma necessidade tão profunda que nós não podemos viver sem ele: seja real ou falso. O substituto pode ser falso, mas, pelo menos, por algum tempo dá a sensação de que se está amando. Até o falso é celebrado! Mas, cedo ou tarde, como você compreende que ele é falso; então não troca o falso amor pelo verdadeiro, troca de amante.
Quando você descobre que o amor é falso, estas são as duas possibilidades: mudar, abandonar o falso amor e torná-lo real; ou mudar de parceiro.
E você sempre sente que o outro o está decepcionando, não que você está se decepcionando.
Ninguém pode decepcioná-lo, exceto você mesmo... Mas você sente que o outro é o responsável: então muda de mulher, muda de marido, muda de Mestre, muda de Deus, muda de religião, muda de prece, vai à igreja em vez de ir à mesquita – perceba... Você muda o outro.
Então, por algum tempo, você sente que está amando de novo, que está em prece.
Mas, cedo ou tarde, o falso é novamente reconhecido – porque ele não pode satisfazer.
Você pode enganar a si mesmo, mas por quanto tempo?
Então, novamente você tem de mudar – o outro.
Quando você chega a compreender que o outro não é o problema, que o seu amor é falso – você fala muito nele, mas não faz nada para penetrá-lo – você fica assustado, com medo...
Quando a confiança existe, o ego não aparece.
A confiança é tanta que já não há necessidade de pensar. O pensamento só é necessário quando existe duvida. A dúvida cria o pensamento. Ela é a base do pensamento. Quando você não duvida, o pensamento some. E se isso ocorre, onde fica o ego, como ele pode permanecer? Eis por que o ego sempre duvida, nunca confia.
Perceba... Em vez de amor, o ego lhe dá o apego, a possessividade.
Quando a confiança existe, o ego não aparece, vai se embora. Eis por que todas as religiões insistem em que somente pela fé, pela confiança e pelo amor você pode penetrar no templo do Divino – não há outra porta. Por meio da duvida, não se pode entrar. Por meio da duvida, nós permanecemos. Na confiança, nós nos perdemos.
O amor é uma confiança, um dissolvimento do ego.
O centro move- se para o outro. O outro se torna mais importante – sua própria vida, seu próprio ser. Nem um lampejo de duvida surge. É tão pacifico, tão maravilhoso quando não há nem um lampejo de duvida, nem uma ondulação na mente. A confiança é completa, perfeita.
O ego, no entanto, cria um truque.
Em vez de amor, o ego dá o apego, a possessividade.
O amor diz: seja possuído; o ego diz: possua.
O amor diz: dissolva-se no outro; e o ego diz: faça o outro render-se a você, force o outro a ser seu, não permita que o outro se mova em liberdade, transforme-o na sua sombra. O amor dá vida ao outro; o apego, a possessão, o mata, tira-lhe a vida.
Perceba a qualidade desse amor.
Mediante o que chamam de amor, as pessoas se matam. Senão, por que este mundo tão feio? Há tantos amantes, todos o são: o marido diz que ama a esposa, a esposa diz que ama o marido; os pais amam os filhos, os filhos amam os pais, há amigos, há parentes – todos amam.
Olhe para um marido e uma esposa: uma vez foram amantes – pensaram que eram amantes e então começaram a matar-se. Agora são duas pessoas mortas; aprisionaram-se. Estão simplesmente com medo, enjoados, assustados um com o outro.
Mediante o que chamamos amor, nós nos matamos.
Senão, por que este mundo tão feio? Há tantos amantes, todos os são: o marido ama a esposa, a esposa ama o marido; os pais amam os filhos, os filhos amam os pais; há amigos, parentes – todos amam.
Todo mundo está amando... – tanto amor – e tanta feiura, tanta miséria, como pode?
Em algum lugar, algo parece estar profundamente errado – e é na própria raiz. Isso não é amor!!!
Se fosse amor, o medo desapareceria – quanto mais se ama menos se teme. Quando o amor é total, não há medo.
Mas na possessão o medo cresce cada vez mais porque quando você possui uma pessoa, sempre teme que ela o deixe – sempre há a dúvida.
O marido sempre suspeita que a mulher ame outro. Eles se espionam e cortam a liberdade um do outro para que não haja possibilidades.
Porém, quando se corta a liberdade, a vida torna-se velha, morta. Tudo se torna chato, sem significado, entediante, monótono.
E quanto mais isso ocorre, mais possessivo a pessoa fica, quando algo está escapando de suas mãos, você fica mais apegado, torna-se mais protecionista, cria mais paredes, mais prisões... É um circulo vicioso.
E quanto mais prisões, menos vida existe. Há mais medo de que algo aconteça e o amor desapareça.  Então o amor diminui mais ainda e uma prisão maior é necessária.
E há meios muito mais sutis de fazê-la: ciúmes contínuos e possessividade numa tal extensão que o outro não seja mais uma pessoa. Transforma-se numa coisa, numa comodidade. Uma coisa pode ser possuída mais facilmente que uma pessoa. Uma coisa não pode rebelar-se, desobedecer; não pode ir embora sem sua permissão, não pode apaixonar-se por outro.
Quando o amor se transforma em frustração – e se transforma porque não é amor – então, pouco a pouco você começa a gostar de coisas. Olhe para as pessoas quando lustram seus carros, o modo como olham pra eles – encantadas! Estão apaixonadas pelo carro.
Principalmente no Ocidente, onde o amor tem sido assassinado por completo, as pessoas amam coisas e animais: cães, gatos, casas, carros.
É mais fácil amar um animal – ele permanece fiel, não há perigo.
Um marido é perigoso! Uma esposa é perigosa!
A qualquer momento eles podem ir embora e nada pode ser feito.
E quando isso ocorre todo seu ego fica despedaçado, você se sente ferido.
Para prevenir-se contra isso, você começa a matar seu marido ou a sua esposa e eles passam a ser exatamente como um carro, uma casa – uma coisa morta.
Essa é a miséria: quando se possui uma pessoa ela se torna uma coisa, mas você quer uma pessoa e não uma coisa. Uma coisa pode ser possuída, mas não pode reagir. Pode-se amar uma coisa, mas ela nunca corresponde ao nosso amor. Nós podemos abraçar o nosso carro, mas ele não pode nos abraçar. Pode até beijá-lo, mas ele não retribui o beijo.
O outro só pode reagir quando em liberdade, mas isso você não pode permitir porque não ama.
O amor nunca é possessivo. Ele não pode ser por sua própria natureza.
Isso não acontece apenas entre homem e mulher. Se começa a amar um Buda, a coisa toda se repetirá. Fará o mesmo, será possessivo com ele também.
Nós cristãos pensamos que Cristo nos pertence. Cristo não pode pertencer a ninguém, mas nós pensamos que somos proprietários.
Ninguém pode possuir Buda, Cristo, Maomé – eles são muito grandes e suas mãos muito pequenas. Eles não podem ser possuídos.
O amor não pode ser possuído: é uma força vital, uma força infinita, e nós somos tão insignificantes, tão pequenos que não podemos possui-la.
Certamente Cristo poderia ter sido a nossa salvação, mas nós não deixamos. Os judeus o crucificaram e nós o mumificamos nas igrejas. Agora ele é coisa morta – boa para se venerar, para se possuída. Mas como pode um Cristo morto transforma-lo?
Mas nós devemos lembrar de que nosso amor, a nossa prece, o nosso culto tornaram-se possessivos, nós estaremos matando. E se matarmos Cristo, como ele poderá nos transformar? Como poderá trazer-nos à Nossa Consciência?
Somente em liberdade a vida e o amor existem.

Uma monja: assim um coração de uma mulher. Não pensem que apenas as mulheres são possessivas. O homem tem menos medo que a mulher, por isso é menos possessivo.
A mente feminina é mais medrosa – o medo lhe é natural, o temor sempre existe, por isso é mais possessiva.
Não faz diferença se nos somos homens ou mulheres – a mente é feminina. A distinção não é de gênero, é de atitude.

Uma monja que buscava a iluminação fez uma estátua de Buda em madeira
É muito difícil para uma mente feminina – de homem ou de mulher – estar só. A mente se for feminina, criará uma estatua, criará outro. Não pode ficar só.
Uma estatua significa que outro foi criado.
Eis por que há tantos templos e estatuas – são criados por mentes femininas. Por isso é que não se encontram muitos homens nos templos, mas muitas mulheres. Se houver alguns homens é por que são maridos arrastados pelas esposas até lá; foram apenas por causa das suas esposas.
A mente feminina pode criar dificuldades, barreiras. Se começarmos a nos tornarmos possessivos, perderemos.
Lembremos sempre que o medo tem que ser deixado – só então o amor pode crescer. O medo tem que ser derrubado, pois ele é do ego. Se o medo existir, o ego persistirá; nós poderemos criar uma estatua e nos agarrarmos a ela. Podemos folheá-la de ouro; ficara bonita, mas será uma coisa morta.

A estatua era muito bonita. Para onde quer que fosse, levava consigo o Buda dourado.
Tornou-se um fardo, tinha que ser carregada, protegida. A monja nem podia dormir bem, porque alguém poderia rouba-la. Toda sua mente tornou-se possessiva em relação à estatua que passou a ser o centro da sua possessividade, medo e culto. Mas isso não é amor.


Passaram anos e, ainda carregando o seu Buda, a monja foi viver num pequeno templo no campo, onde havia muitas estatuas de Budas, cada um com o seu próprio santuário.
Anos se passaram e nada aconteceu, pois carregando um Buda, nada pode acontecer. O Buda tem que estar vivo e não carregado. Tem de ser amado e não possuído.
Buda está vivo quando nós nos dissolvemos nele. Há medo, temor. Nós ficamos com medo de estar perdido. E o nosso medo é verdadeiro porque nós iremos mesmo nos perder.
Com uma estatua não há medo. Pode-se carrega-la. A estátua poderá se perder algum dia, mas você não. Poderá criar outra até mais bonita.
Carregando sua estatua – muitos anos se passaram, muitas vidas podem ter passado – carregando o seu Buda ela não chegou a lugar algum. Esteve apenas peregrinando de um lugar a outro, de uma vida a outra, de um capricho a outro, de uma mente a outra – apenas perambulando, sema tingir lugar algum.
Havia muitas estatuas de Buda. Muitas estátuas (dez mil estatuas)! Mas nem tantas estátuas podem ajudar. Um Buda é suficiente, mas dez mil estatuas não.
Nada acontece porque a vida não surge de coisas mortas. Um homem nunca é transformado a partir de uma estátua morta.
Muitas pessoas instalam-se em templos. Elas perambulam, procuram e descobrem que nada pode ser encontrado; é impossível. Não que o objetivo esteja muito distante – está mais perto do que podemos imaginar, mas, por estarem carregando estátuas, tornaram-se cegas. Seus olhos estão fechados por suas estátuas. O coração delas está carregado de estátuas, palavras e escrituras – coisas mortas.
A monja se instalou – tinha de fazê-lo. Quando alguém carrega um Buda de madeira, como pode se iluminar? Se um Buda de madeira pudesse lhe dar iluminação, não haveria problema.
Mas um Buda de madeira é um Buda de madeira. Nós só podemos carrega-lo e brincar com ele.

A monja queimava incenso para o seu Buda dourado todos os dias.
Quando há amor, os ornamentos não são necessários.

A monja queimava incenso para o seu Buda dourado todos os dias.
Mas, não lhe agradando a ideia de o seu perfume ser levado para as outras estatuas, inventou um funil através do qual a fumaça ascendia apenas até à sua estátua.
Assim é a mente de uma pessoa possessiva: nem o perfume, o incenso, a fumaça, ela permite que alcance outros Budas – e os outros também. “Mas o meu Buda é melhor. O seu Buda não é nada”. No templo, todos os outros eram Budas.
Quando há amor realmente, você não se importa a quem ele alcance. Quando há amor, ama-se uma pessoa, mas não se pode inventar um funil para que o amor atinja apenas essa pessoa. O amor quando acontece é um fenômeno que vai além da pessoa amada; ela sempre espalha para todos. É exatamente como uma ondulação num lago.
Quando nos amamos alguém, estamos atirando uma pedra no lago. Agora, todos serão beneficiados, não apenas o ser amado. Se tentar beneficiar só o amado, estará simplesmente fazendo o mesmo que a monja fez. Quando alguém ama, esse amor escorre por todos os lados. Você não pode canalizá-lo, não é possível. O apego pode ser canalizado, mas o amor não.
Sempre que há uma pessoa amando, o mundo todo é beneficiado.
Nós não nos preocupamos se o nosso perfume está atingindo alguém mais. Está feliz porque por seu intermédio todo mundo está sendo beneficiado, todo mundo está recebendo a benção. Se você ficar com medo e tentar contê-lo, será possessivo e o matará.
Não tente contê-lo, nem possuí-lo. Permita que cresça, auxilie-o a crescer, a atingir a todos! Somente então receberá, porque você só pode recebê-lo quando todo mundo o receber.
Este é problema – quando você ama alguém, o quer refreado, confinado. É como se estivesse confinando uma arvore num pote; não apenas a raiz, mas a arvore toda. Então você a mata.
Você não pode torna-lo finito – sua natureza é infinita.

Então o que aconteceu? Tinha que acontecer.
Isso escureceu o nariz do Buda dourado, que se tornou excepcionalmente feia.
Isso está acontecendo com todos os amantes e amados, porque assim o perfume deixa de se perfume – vira uma fumaça – o perfume precisa expandir-se. Assim, o nariz escureceu, e todos os Budas agora tem nariz preto.

Osho - Livro: Nem água, nem lua


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