sábado, 30 de julho de 2011

Sufis, a Espiritualidade através da Arte



Se há uma linha de aprimoramento espiritual afinada à Era de Aquário e aos novos tempos que se apresentam, essa certamente é o sufismo. E ela é assim desde a sua origem milenar. Ninguém sabe ao certo quanto tempo de existência tem o sufismo ou onde ele surgiu, Idries Shah, um dos maiores estudiosos contemporâneos do tema afirma ter sido na Pérsia. O que se sabe ao certo é que o sufismo, desde o seu nascimento, é uma fraternidade marcada pela busca de liberdade interna.

O sufismo simplesmente significa um caso de amor com o divino, envolvendo a paixão, o fervor de um de amante ensandecido e a tranquilidade, solidariedade e maturidade de um amor fraterno. Sim, ser sufi é ser solidário com a força que anima e dá sentido todas as manifestações da natureza, é ser apaixonado pelo mistério que se camufla por trás de cenas aparentemente prosaicas e comuns do cotidiano, é ser devotado à inteligência sutil que orienta de maneira invisível, toda a evolução humana e de todo o universo. É evaporar-se, e desmanchar-se de amor pelo divino. É transbordar em êxtase de afeto incondicional pela vida e por sua realidade última, a sabedoria e beleza ocultas, mas presentes, em suas camadas mais sutis.

E, para vivenciar isso, nada mais apropriado do que a arte. Assim, são inúmeras as lideranças sufis que se destacam como artistas.

Mas o que é o sufismo, uma religião? Uma filosofia? Literatura? Uma maneira de ver a vida? De tudo isso um pouco. O sufismo é um movimento espiritual que se infiltra em todos os caminhos de espiritualidade existentes, em qualquer um, e tenta extrair deles as verdades íntimas e secretas ali presentes. A essência do sufismo é aceitar qualquer experiência e investigar, decifrar e revelar a inteligência camuflada por trás dela. Não importa se essa experiência é criativa ou tradicional, se é um conhecimento ou uma vivência, a inteligência que está por trás de todos os fatos está por trás dela também e, se for revelada, a experiência tomará sentido.

Uma vez que o sufismo busca o ensinamento presente no íntimo de cada experiência ou religião, os sufis não possuem uma bíblia própria, mas se apropriam de livros sagrados de outras religiões e procuram se relacionar com os aprendizados mais essenciais e sutis contidos dentro de cada um deles. Ele estuda os livros sagrados de uma religião e, após decifrar e revelar o conhecimento contido por trás daquelas palavras, re-significa seu conteúdo mais essencial e cria seu próprio caminho a partir delas. Assim, o profeta sufi sente-se à vontade dentro de qualquer outra religião. Mas, subverte-a, de certa maneira.

O símbolo do sufismo é o visgo, uma árvore que não sobe aos céus apenas por força própria, mas que se cola ao tronco de alguma outra árvore, um carvalho, uma amendoeira, um eucalipto ou qualquer outra, para encontrar sustentação e atingir alturas significativas. É o que fazem seus seguidores. Assim há sufis cristãos, hinduístas, muçulmanos, judeus ou vinculados a qualquer outra tradição espalhados mundo afora.

Mas, por que no início do artigo afirmei que os sufis se encaixam como uma luva no perfil da Era de Aquário? Por duas razões, principalmente. Na Era de Aquário, na qual estamos entrando e se estenderá pelos próximos dois milênios, o signo de Libra regerá a nona casa, a da espiritualidade. Libra é um signo ligado ao senso estético e às artes, isso indica que a maneira mais legítima e efetiva de conectar-se às dimensões espirituais nos próximos tempos será a arte. Podemos esperar cada vez mais religiões se formando com essa característica e as antigas se reformando para se adaptar aos novos tempos.

Na Era de Peixes, cujo começo coincidiu com o início do cristianismo e que está dando agora seus últimos suspiros, a nona casa era regida por Escorpião, signo que inspirou o nascimento de seitas fechadas e ordens secretas de todo tipo. Agora, com Libra, um signo de ar se instalando nessa casa, temos a tendência a movimentos espirituais que funcionem cada vez mais baseados no espírito de fraternidade do que em hierarquias rígidas, como tem sido.

Os sufis, desde o seu início, têm usado a arte como maneira de se aproximar do divino. Pela música, dança, poesia e literatura, eles buscam o desenvolvimento de uma sensibilidade cada vez mais sutilizada, até que ela se torne capaz de perceber a origem sutil de todos os acontecimentos. Para um sufi a inspiração é mais importante do que qualquer conhecimento ou regra de auto-aprimoramento espiritual. Respeitar e desenvolver a própria delicadeza de percepção é o caminho indicado por eles para quem quer ouvir os sussurros do divino. Dessa maneira, o sufismo tem uma tradição de respeito à sensibilidade individual, única e intransferível, de cada ser. Uma tradição de aceitação do outro e de respeito aos seus adeptos. Em última análise, pode-se dizer que seja um movimento anárquico do espírito – no melhor sentido da palavra anárquico – onde cada um é responsável por si e pelo sucesso ou fracasso de transformar sua busca em uma experiência espiritual autêntica.

Combinando também com o espírito de liberdade da Era de Aquário, não existe hierarquia obrigatória entre sufis, apenas um sentimento de cumplicidade recíproco e o reconhecimento tácito de que um é mais capaz ou vocacionado que o outro. É um movimento utópico, que propõe uma outra maneira de viver, mais livre, onde não importa tanto o que a pessoa está fazendo, mas a sua capacidade de extrair os conhecimentos particulares de cada experiência.

Dessa maneira, ninguém nomeia um sufi; se você entende o ensinamento secreto e sutil que há dentro da experiência, seja no livro escrito ou no grande livro da natureza, você é um sufi. E para isso, você não precisa se inscrever em nenhuma ordem ou ser aceito por nenhum guru ou grupo, nem cumprir nenhum regulamento em especial, ser sufi é um estado de lucidez do espírito, uma maneira de sentir e se relacionar com a vida.

Sou muito grato à experiência que tive com sufis na Índia e à dignidade humana que experimentei com suas inspiradas meditações. Desde esse tempo, passei a incluir em meus cursos de meditação, técnicas de origem ou de inspiração sufi. Sempre que isso acontecia, suscitava entusiasmos e pedidos de que eu levasse outras. Foi imbuído dessa experiência e da gratidão a meus professores que decidi criar o curso “Meditações Sufis Contemporâneas”, um conjunto de vivências selecionadas com o intuito de proporcionar o gosto utópico que tive com aqueles artistas-gurus, de dias plenos de práticas e vivências reveladoras, tão instigantes quanto saudáveis.

Claro, para proporcionar esse gosto, o melhor caminho é fornecer contato também com a arte desses mestres, e uma possibilidade é conjugar as meditações escolhidas à poesia sufi, capaz de passar de maneira sintética e com uma inteligência sempre surpreendente, a magia da visão sufi. Escolhi para isso as poesias de Kabir, poeta místico indiano pelo qual tive, desde o primeiro contato, uma predileção incontrolável. Kabir tem a capacidade de fazer com que a poesia jorre de dentro dos corações de seus ouvintes, parecendo ser um fenômeno interno escutá-lo. Kabir não escrevia poesias, mas as paria, num processo totalmente orgânico, por isso, talvez, a capacidade de seus poemas de suscitar reações incontroláveis em seus ouvintes até hoje. Kabir é um ponto alto da poesia sufi indiana.

Para o curso, resolvi traduzir pessoalmente seus poemas e associá-los às diferentes técnicas de meditação, esperando com isso, proporcionar uma atmosfera que permita ao participante o contato com um dos maiores tesouros sufis: a percepção de que o caminho da luz pode ser um caminho de prazer e celebração, rico em descobertas surpreendentes e realizadoras. Por que não pegar o caminho mais estimulante rumo à lucidez?


Pedro Tornaghi

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